Rafaela acabou se separando do marido 2 anos mais tarde. Mesmo sem a certeza de que o ele lhe traia. Não interessa. Só a perda da confiança já era motivo suficiente. E ela fazia questão de deixar explícita essa perda de confiança na frente do marido, sem o menor pudor. O que era pior, pois ele não fazia nada para conquistar de volta ou mesmo se explicar; o que, no raciocínio de uma cronista significa assinar a própria sentença com uma declaração em letras garrafais escrita com o sangue da vítima: "CULPADO".
Não chorou, prometeu a si mesma. A filha ficou com o pai, ingrata - justificava. E a casa também.
Estava sentada no banco do parque municipal, escrevendo pequenos trechos de diálogos casuais quando um vira-lata sentou ao seu lado. Achou estranho, animais de rua não costumam ser afáveis, aproveitadores, talvez. Bon vivants, com certeza. Estava imundo, e fedia. A língua pendia vulgarmente para fora, salivando sem parar. E parecia que estava prestes a ter um ataque cardíaco, animal inquieto!
Não conseguia se concentrar. E o que ia fazer? Expulsar o animal dali? Não, ele era exótico em seu comportamento, e desistiu de escrever. Pôs-se a observa-lo, tentando estabalecer um diálogo mudo com a criatura. A comunicação primeiro se deu pelos olhos grandes e piedosos do cão e riscados e pesados da escritora:
- Qual é o seu nome?
- Do que queira me chamar, tem comida?
- Não. O que você costuma fazer?
- Andar, correr, brincar, cagar, marcar território. Tem comida?
- Me lembra meu marido, engraçado, não?
- Você dava comida pra ele?
- Não, não sei cozinhar e pretendo nunca aprender.
- Por que? Você não come?
- Às vezes.
- Bicho esquisito. Vou dar o fora
E o animal desviou o olhar, procurando no parque alguma outra companhia que lhe pudesse fornecer alimento, provavelmente.
- Ei, não vai embora. Quero brincar com você. Costumava me entreter com minha filha, sabe, mas ela preferiu ficar com o pai.
- Não me espanta, a menina devia morrer de fome contigo. O seu marido parece um cara prudente.
- Me trocou por outra mulher.
- Ela deve cozinhar bem.
- Não sei.
- Ei! Uma velhinha. Elas sempre carregam algo na bolsa. Tchau!
E assim foi-se o amigo inesperado e a cronista ficou ali, observando o banco vazio. E seu estômago também.
- You gave to food pra it?
ResponderExcluirBem interessante, acho sempre interessante quando algo foge ao fantástico. Estou lendo um livro atualmente do Borges, conhecido como o grande mestre do realismo fantástico.
ResponderExcluirEstou para escrever um conto, até que enfim pois já estava quase morrendo.
Abraços
hehehe... final inusitado! gostei das personagens dessa história.
ResponderExcluirabs,
gus
Adorei a cronista quando li as duas primeiras partes.. já tem algum tempo :} não sabia que ia ter esse desfecho haha
ResponderExcluirnão digo que ela errou.. mas o comportamento dela me trouxe sensações ruins :~
quem sabe ela encontra alguém compatível com ela?
:B
Algumas pessoas preferem seus próprios botões...
ResponderExcluirTô add você no meu blog, Márcio!
Me linka também!!
www.livialamblet.blogger.com.br
;***
Realismo fantástico! Nunca poderia imaginar que terminaria dessa forma! Conseguiu me surpreender (isso não é algo simples). Definitivamente, tens muito talento.
ResponderExcluir