domingo, 8 de setembro de 2013

Estátuas.

Eram duas estátuas. Mudas, impassíveis estátuas. Foram esculpidas por pares de mãos distintas, de épocas, gostos e cidades diferentes. Uma, de mármore; a outra, esculpida da rocha crua dos restos de uma pedreira. A primeira, lustrosa apesar dos tempos. A segunda, tomada de musgos e dotada de um ar espectral. Lado a lado permaneciam, silenciosas. Seus pesos, só suportados pela terra que escondia suas cicatrizes com um arco-íris de flores. Apesar de não se conhecerem, eram comuns na indiferença. Indiferença às mãos que lhes esculpiram, ao sol e chuva que lhes castigavam, aos animais que faziam morada em suas cabeças, ombros e pés, à natureza que escalava seus corpos tentando, sem sucesso, romper a barreira de suas intimidades, ao perfume das flores e ao tempo.

Corpos que não eram seus, olhos, bocas, seios, narizes. Posições que não eram suas. O tempo... o tempo lhes fez perceber, perceber que eram nada mais que estátuas: pedaços de rocha sequestradas de seus lares, separados, meticulosamente, de suas irmãs. Segregadas e elevadas à mais alta condição social das rochas por esforços que não eram os seus. Só a indiferença. Só o olhar triste de um rosto alegre, vivo. Órfãs de si mesmas, abortos da natureza. Cirurgiões egoístas as tiraram daquele mundo e imprimiram em seus corpos seus projetos pessoais, conflitos irreconciliáveis e uma história em forma de gente para a admiração de seus pares. Eram duas estátuas. Duas não-delas-mesmas estátuas. E estavam lado a lado, compartilhando a solidão.

Incomodavam-se uma com a outra, sem saber da própria história. Separadas, enfim, das mãos que lhes esculpiram, foram abandonadas uma segunda vez. Tinham uma a outra, assim como a mútua repulsa. O espaço entre as duas era cada dia menor com a proximidade da intolerância. Até que um descuido da natureza fez o chão tremer; a segunda, mais velha e tomada pela corrosão do caráter, caiu sobre a primeira, rachando seu rosto, rompendo as formas cuidadosamente delineadas, deformando ambas. Sorriram felizes nas fendas abertas. As feridas eram, enfim, expressões genuínas da cumplicidade de quem começava a escrever a própria história, juntas. Deixavam de ser réplicas sem vida dos desejos e sonhos de homens mortos.

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