domingo, 29 de março de 2009

A donzela de ferro

Sentei-me ao lado da donzela de ferro e começamos a prozear.

- A senhora está há muito tempo aí, paradona?

- Ah, já tive muita agitação na juventude. Abrindo e fechando, com um monte de gente estranha entrando em mim, sem pedir licença. Alguns até contra a vontade. Vai saber. Dizem que minha frieza não é lá muito atrativa. Mas nunca estive sozinha na juventude. Ai, bate uma saudadezinha. Era bom sentir aquele sangue quente dentro de mim, sabe?

- E ainda não sente?

- Como poderia? Nada corre aqui dentro se não for de outra pessoa. Não consigo nem imaginar toda aquela bagunça de veias e coração batendo fora do compasso. Sem métrica alguma. Não, não dá pra entender. É mais fácil cuidar dos meus espinhos. Ah, meus espinhos. Garantia de prazer.

- Mas isso não doia nos outros?

- Ah, mas se doia eu não sei. Tinham uns gritos, sim. Lágrimas, às vezes suplícias embaraçosas. Mas eles sempre voltavam, sempre tinha gente chegando. Então eu acho que agradava. Sim, agradava de certo.

- A senhora acha certo tirar a vida de outrem por prazer?

- Vida, quê isso?

- E as outras donzelas, também estão aposentadas?

- Sim, sim. Todo mundo. Bom, não posso afirmar com certeza. Pensando bem acho que ainda tenho uma prima que consegue uma diversão de vez em quando. Coisa esporádica e sem costume. Falta gente especializada no merchandising.

- Merchan? Pra que vocês precisam disso?

- Ah, meu filho. Ninguém vinha por livre vontade. Era preciso gente pra fazer propaganda, sabe. Só depois que esses moços aí (e moças) enganavam todo tipo de gente, fazendo acreditar que eles me queriam antes mesmo de saberem, é que eu podia me emperequetar toda, colocar meu anúncio nos vilarejos, esbanjar saúde. Coisa essa que eu acabava tirando dos outros, não sei como. Mas era lindo. Todo aquele vermelho e depois o corpo caia no chão, saciado, acho eu. Fazia direitinho do jeito que me fizeram. Foi bom aquele tempo.

- E agora?

- Agora ferro é ferrugem. Não sei por quê. Espero que um dia chamem de volta o rapaz de 1445. Aqueles gemidos jamais esquecerei.

- Mas provavelmente a senhora o tirou a vida.

- Vida, quê vida?

E assim sentamos no trono do tempo aguardando a ressurreição final. Eu saí para pegar uns biscoitos. E suco de pêssego.

4 comentários:

  1. fiquei com uma dúvida:

    isto é um texto do Breton?
    isto é um quadro do Dali?
    isto é um filme do Buñuel?

    (isto não é um cachimbo!)

    um salve surrealista a todos os pre-ausentes!

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  2. hahaha

    nenhuma das anteriores, ou todas.
    sei lá.
    surrealismo não é pra esconder o sentido oculto inexistente e irredutível?

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  3. não sei fazer comentários cool

    mas eu li óóh


    :*

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  4. comecei a ler achando que ia terminar com uma rosa, algo mais subjetivo.

    belo texto brow ;*

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