sexta-feira, 6 de junho de 2008

Narcisa

Narcisa era constantemente vigiada. Pelo seu colega ao lado, pelo seu supervisor, pela câmera de monitoramento da empresa. Essa era uma preocupação constante em seus pensamentos; principalmente devido à idéia fixa que carregava consigo - catalogada na forma de fetiche em sua biblioteca íntima, junto às palavras amontoadas dentro de livros ainda sem título - de se jogar nua do 14o andar daquele edifício em particular. Andar no qual trabalhava, desnecessário dizer.


Podia sentir o gelo da morte sendo injetado no ventre, a brisa da tarde acariciando seus pêlos e o peso do chão cada vez que olhava para a a parede de vidro atrás de seu monitor. Uma visão privilegiada, ao menos, ou sádica. Irônica, talvez.

O estranho desejo constantemente à remetia a lembranças infantis de quando costumava subir no telhado da casa de sua avó com seu pai para soltar cafifas. Sentia-se livre, desligada do mundo e, ao mesmo tempo, segura junto à unica pessoa que realmente lhe importava. Não era muito amiga da mãe; esta era uma figura doméstica demais para o gosto de Narcisa. Seu pai, porém, era seu elo com o mundo, viajava constantemente e sempre trazia à casa ares de fora. Seu terno, como ela adorava. Sempre o vestia para os outros, e como ela os invejava e esnobava ao mesmo tempo! Invejava pois fantasiava o pai como seu companheiro de viagem na conquista do mundo; mas também os esnobava por saber que esses jamais poderiam desfrutar da intimidade do conquistador. Vivia um conflito interno de papéis; desejava ser princesa e soldado, mas uma condição excluia a outra. E que ódio do irmão.

Sobravam as lembranças da laje, agora ressemantizadas no prédio da empresa. "Será o sussuro do vento, sua voz me convidando à remota inocência?" ... "Não, ainda não é a hora. Preciso me livrar dessas pessoas primeiro!"


(continua)

Um comentário:

  1. supimpa...

    estou curioso para a continuação da historieta sobre cafifas, ternos, quedas livres e afins! =)

    abs!

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