À noite, Rafaela assistia sua coleção favorita de Woody Allen com Renan quando a primeira pedra foi lançada.
- Eu tenho muito de Anna, sabia?
- Como assim? Que história é essa? – retorquiu, desvencilhando-se dos braços do marido e cruzando os próprios, com ar inquisidor.
- Bom, sou a parte subjugada do casal, pra começar.
- E desde quando nosso relacionamento é uma disputa?
- Desde que eu tenho que brigar diariamente contra os seus livros pra conseguir um pouco de atenção?! – Renan não pode conter uma indiscreta elevação no tom da frase.
- E eu já não te dou o suficiente? – gritou, já fora de si, com movimentos bruscos e indecisos.
- Mecanicamente! Parece que o faz por obrigação. Como se fosse uma cruz fazer amor com seu marido.
- Ás vezes é assim mesmo!
- Como? O que você disse? – a incredulidade misturava-se com a indignação no rosto de Renan, formando um semblante pateticamente ameaçador.
- É sempre a mesma coisa. – e completou com um longo bufo antes de dar as costas e fazer qualquer coisa na cozinha – PFFFFFF.
- Eu que o diga! – gritou o vencido.
E assim os dois terminaram sua tarde romântica; ele, ligeiramente arrependido mas aliviado; ela, enfurecida e egocentricamente ofendida. Foram para a cama e custaram a dormir, mas eram hábeis em dramatizar indiferença.
O casamento é um circo onde o próprio casal é espetáculo e platéia; o show flui perfeitamente quando os dois encenam juntos. O problema está quando um deixa o outro só sob o holofote enquanto, sorrateiramente, sobe as arquibancadas. Assim, ficam expostos todos os segredos do mágico, a insegurança do palhaço e o medo do trapezista. Há uma polarização no drama, o nascimento de juiz e réu; crime capital no tribunal do amor onde ambos deveriam ser eternos cúmplices.
Na semana que seguiu Rafaela foi cedendo pouco a pouco, tentando aproximações acanhadas e carícias singelas. Renan, no entanto, ainda carregava o semblante pesado e cansado, o golpe fora-lhe realmente destruidor. Mal se falaram e não se tocavam na cama, os dias eram longos e frios, Rafaela não podia mais agüentar a culpa. Foi então que fez algo desesperado. Vasculhou as roupas do marido numa caça enlouquecida pelo perfume de outra mulher. E logo viria a se arrepender de ter cedido a tal impulso irracional ... na gola do paletó; não era dela.
(Continua)
OOOO:
ResponderExcluireu adorei a parte dissertativa! é muito criativo e, até onde eu sei, é bastante próximo da /retrata exatamente a realidade! :p
o que será que eu, digo, Rafaela fará na próxima parte? provavelmente um escândalo envolvendo projéteis quebradiços e estar egocentricamente ofendida! XD você é quem manda! \m/
:*
estou refletindo... estou refletindo...
ResponderExcluirps1: gostei da frase "Foram para a cama e custaram a dormir, mas eram hábeis em dramatizar indiferença."
ps2: cuidado com o final deste casal!
abraços,
Gus
U.au!
ResponderExcluirQue drama incrível!
Minha história não chega a tanto, mas imagino a reação dessa protagonista. Nada de projéteis como sugere o anônimo aí. Acredito que não combina com o perfil psicológico de uma escritora. Ironia sarcástica permeando uma doce vingança é fabuloso. Nada pior para o traidor que provar o próprio veneno...
Mas como já disseram, vc quem manda. E eu que não perco o próximo capítulo.
Beijo!
em síntese: ótimo texto!
ResponderExcluirps[só 1]: o "continua" desta vez me provocou arrepio [rs]
Veja lá qual vai ser o final, my lorde!
ResponderExcluir=***
Ótimo esse texto! (os demais também!)
ResponderExcluirParabéns!!!
Ps.: esperando ansiosamente pela continuação da história!
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