segunda-feira, 21 de junho de 2010

Muito além das palavras

No infinito das estrelas, no universo sem fronteiras, havia um povo que não sabia falar. Também não desenvolveram qualquer linguagem escrita. Eles viviam sob uma abóboda celeste de tons suaves de violeta. Suas casas eram feitas de flores que poderíamos facilmente associar com jasmins, mas muito, muito maiores. Suas formas variavam e a essência perfumava não só o ambiente, mas os pensamentos. Cada jasmim abrigava uma dúzia de famílias cujos olhares se comunicavam com maior facilidade. Todos viviam em comunidade e eram super sensíveis aos sinais da natureza, integrando-se completamente ao ciclo das estações. A generosidade da vida era diretamente proporcional ao nível de entrega e sinceridade da alma de cada um para com os astros, deuses, animais e a própria comunidade. Porém, nas franjas dessa sociedade havia uma pequena família abrigada num pequeno jasmim de fragrância mais forte. Chamamos a atenção para essa família pela peculiaridade da cor de seus olhos; cinza, carregados e distantes. Olhos de Ventania é como poderíamos chamar caso nomes fossem dados e houvesse sons articulados. Eles ouviam o som da natureza que para eles era um chamado. Uma voz tão forte que fazia vibrar no coração uma pulsação inquietante, um dessossego inebriante e atemporal. Viam nos ciclos das estações, na conjuntura das emoções, uma belíssima harmonia de notas musicais. Mas de onde vinham essas ideias se nunca aprenderam a articular sons, muito menos a cantar? Por terem um olhar perturbador aos olhos de seus vizinhos, preferiam a reclusão. Seu jasmim era simples e não se incomodavam com a intensidade da sua fragrância peculiar - que era exageradamente perfumada, segundo a feição dos que por ali passavam. Por viverem tanto tempo em seu casulo, passaram eles mesmos a exalar de seus poros um aroma único. Cheiravam à tempestade. Uma tempestade vibrante e, ao mesmo tempo, tão familiar, tão aconchegante. Suas vidas eram um útero materno prestes a explodir uma vida nova para aquele povo. Foram as poucos deixando a cidade sem negligenciar a maternidade de novas ideias e aromas para os que ficaram. Suas ideias iam longe, voavam livres para além das estrelas, além das fronteiras. Eram perfumes suaves, voláteis e alcançavam as mais altas e sublimes emoções. Todo o povo chorou quando o último Olhar de Ventania se foi. E, numa noite de outono, ouviram um cântico novo, um chamado estrondoso que os fez despertar. A voz tinha hálito de tempestade. De onde vinha aquele perfume? E do silêncio que se seguiu, outra voz se ouviu. Ali estava, todo esse tempo, o coração de cada um a bater forte, a vibrar junto do mundo mil dizeres, mil saberes abafados e agora tão claros e cristalinos. Choravam e choravam. As lágrimas eram férteis, pois brotavam da inspiração divina daquela melodia. Ao cair no chão, brotavam jasmins.

2 comentários:

  1. Obrigada. Texto lindo, palavras belíssimas. Fiquei muito emocionada, como sempre.

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  2. Luna, queria conseguir transmitir 1/8 da emoção que tu passa ao escrever. Lindo, lindo.

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